quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Para Joaquim e Helena


Vocês vieram e me trouxeram coragem.
Eu, acostumado com o receio, tive de enfrentar incertezas.
Mas tudo certo, vocês me instigavam com sorrisos e apelos.
A cada desafio surgia também a força para superá-lo.
Fui notando que estava mais forte e já era outro.
Mas depois percebi que, junto com a coragem, veio o medo.
Um medo instintivo, ancestral de que algo pudesse acontecer com vocês.
Por causa desse medo tentava controlar as suas e as minhas ações.
Entendi pela convivência com o medo que todo dia importa.
Que todos os momentos são especiais e precisam ser presenciados.
Que todo sorriso conquistado vale a pena.
E assim, depois que vocês vieram, fui moldado com coragem e medo.
Capaz de enfrentar tudo, mas sempre fechando a janela de vocês por receio de um resfriado.

Um beijo do Papai.

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Resposta aos cruzmaltinos

Vale esclarecer a história por trás deste texto: dois estimáveis amigos debatiam comigo a grandeza do Vasco da Gama e, na ânsia de me convencer apelando para algo que me sensibiliza, exasperavam que o time teria sido o primeiro no Brasil a aceitar negros como jogadores. Então esta é minha resposta aos meus incautos amigos:


Prezados cruzmaltinos,

Realmente é belíssimo o fato de o Vasco ter sido a primeira instituição futebolística a aceitar negros, em seus quadros de jogadores. Não há mácula ou contestação nesse episódio. No entanto, lembro aos estimados amigos que a nobreza e a força de uma instituição se residem nas pessoas que a representam. Desse modo, glórias aos representantes vascaínos de então.

Destarte, aquele acontecimento foi manchado e não se enraizou no, por assim dizer, caráter da instituição Vasco da Gama, porque as pessoas sucessoras daquelas não mantiveram o espírito nobre que enalteceu a belíssima história.

Mas por que penso assim? Explico me valendo de um fato irradiador e conformador da verdade. Não se preocupem, não falarei do crápula Eurico Miranda, que por si só confirmaria a tese aqui apresentada.
Remeto-os a um jogo entre o Mengão e o Vasco nos primeiros anos desse século. Maracanã lotado pelas duas torcidas, de repende, mas não sem preparação prévia, a parte branca e preta começa a cantar: "Favela, favela, favela, time de favela". Ora, meus queridos amigos, não preciso caracterizar o preconceito que jaz nesse jingle. Esse único caso (um exemplo dentre vários, notórios no Brasil e, especialmente, no Rio) mostra que, no decorrer da história, os maiores representantes da instituição vascaína renegaram aquele célebre ocorrido na primeira metade do século XX. Não vos coloco nesse grupo, pois conheço vossos caracteres, mas a massa cruzmaltina se degenerou...

Assim, senhores, encham vossas bocas para dizer que o Vasco foi o primeiro time de futebol a aceitar negros como jogadores. Todavia, não se esqueçam de que aceitar não é acolher. A acolhida engrandece, fortalece, prevalece, sendo gravada na alma do ser acolhido. Meu Mengão, no construir de sua história, acolheu, mais que qualquer outro time, milhões de torcedores (e também de profissionais), relegados à discriminação pela cor da pele e/ou pela sua condição social. Sendo por isso chamado de time de favela, de descamisados, urubu... Mas a grandeza da instituição Flamengo, ou melhor, das pessoas que a representam, não rejeitaram tais "títulos", pelo contrário, os acolheram e os irradiaram.

Abraços e saudações rubro-negras

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Iguais na diversidade ou, pra quê separar se junto é mais gostoso

Desde os tempos mais remotos o agrupamento corporativista se mostra um dos movimentos mais fortes e incoerentes dentro do universo profissional. As corporações de ofício, na idade média, agregavam aqueles especialistas da manufatura que viam nessa agregação sua força e seu símbolo de status.

De lá pra cá pouco se mudou. Claro que as corporações foram se especializando cada vez mais, a ponto de termos uma corporação composta às vezes de apenas de 2 indivíduos (há casos sérios de egocentrismo em que um profissional se sente a própria corporação). Mas o sentido de exclusividade ou seletividade é o mesmo do período medieval: somos únicos e juntos podemos mais.

Certa feita, num grande hospital de uma cidade qualquer, um paciente desafiava o conhecimento da classe médica. Todos tentavam descobrir o que afligia aquele homem. Especialistas das diversas áreas da medicina eram chamados, os enfermeiros e os psicólogos tentavam em vão colocar suas opiniões, mas eram calados pelos semideuses-médicos; até que a nata da classe dos médicos (atualmente essa é uma característica de nosso tempo, dentro de uma classe há outra ainda mais seleta), composta pelos neurocirurgiões, chegou e assumiu de pronto a tarefa de diagnosticar e tratar o paciente-incógnita. Chegaram e já foram excluindo todos os que não beberam de sua parcela exclusiva da ciência.

Não houve reclamação de ninguém. Os outros médicos se resignaram às suas naturezas de semideuses, os enfermeiros e psicólogos, já acostumados à condição de mortais, continuaram suas tarefas rotineiras. Todos certos que os deuses neurocirurgiões resolveriam o problema.

Dias e dias se passaram, conferências e conferências foram feitas e nada de se saber o que causava a enfermidade do já quase defunto. Aquilo angustiava os neurocirurgiões, como pode uma doença não se mostrar para tanto saber agregado. Mas ela se mostrava, eles apenas não a enxergavam, cegos pela arrogância de excluírem outros conhecimentos. Não viam que o pé do paciente já estava completamente roxo, necrosado, e aquilo avançava intermitentemente rumo ao resto do seu corpo. O enfermo não conseguia falar, ora estava convulsionando, ora era impedido ou ignorado pelos neurocirurgiões – está delirando, diziam.

Numa manhã ensolarada, passava pelo quarto do paciente um recém-formado médico ortopedista. Sentindo o horrível cheiro que dali exalava, abriu a porta e brincou: pessoal é melhor pararem de pensar um pouco, pois já está fedendo. Estava na sala a alta cúpula da neurocirurgia, mas também residentes, claro que residentes quase neurocirurgiões. Rapidamente nosso jovem ortopedista bateu os olhos na perna do homem que estava mais morto que vivo – como vocês não viram isso, gritou. De pronto chamou dois enfermeiros e um anestesista, todos agiram ágil e habilmente, o ortopedista pegou sua serra elétrica e, sob os olhares atônitos dos neurocirurgiões, manipulou-a de forma precisa cortando a perna do convalido na altura da metade do fêmur. No outro dia, o hospital continuou o mesmo, com todos fazendo suas tarefas rotineiras. O paciente-incógnita se recuperava impressionantemente bem.

Moral da história: uma instituição é composta de diferentes saberes, todos igualmente importantes e necessários. Algumas vezes é preciso uma perna necrosada e uma serra elétrica para nos mostrar que não somos deuses.

Abraços

terça-feira, 19 de junho de 2012

Perfeito

A perfeição vem vestida de negro
Seus cabelos exalando um cheiro penetrante
Arrepio ao sentir sua vontade
Sonho ao perceber sua volúpia
Agarro-a e não quero soltá-la por nada
Talvez medo de que me escape
Desejando que o momento persista
Esbaldava-me em êxtase
Não havia o tempo
Era ali e no instante exato
Diferente de nós, depois

De negro continuou
Harmonizando com a noite seus cabelos perfumados
Sua pele alva e seus olhos desejantes
Encantadores
Permaneceu linda, ainda mais linda
Visceralmente entreguei-me
Cativo à perfeita conjunção do meu corpo e seu contorno
Emoldurado de negro

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Oge e Bae

Oge era um rapaz solitário, apesar das relações que mantinha com diversas pessoas. Sentia solidão por não se enquadrar numa vida pré-determinada, carregada de conceitos a serem seguidos pelos ditames da normalidade. Isolara-se também por uma experiência de abandono. Já na infância conheceu uma garota chamada Bae. Os dois seguiram juntos por toda a vida, com alguns percalços às vezes turbulentos, às vezes suaves. No fundo e nos fins esse envolvimento não era proveitoso para Oge, mas era o que ele tinha.

O garoto se apegou totalmente a força daquela menina. A utilizava para se esconder das rejeições sofridas. E Bae o abraçou com toda energia, num desejo quase parasitário. Se nutrindo de Oge em todos os aspectos, reforçava seu desconforto, regava-o nas humilhações.

Nesse relacionamento, paradoxalmente, Oge se fortalecia assumindo sua fraqueza. Ao ponto de tirar proveito da condição de coitadinho em que Bae o impunha. Por fim, o relacionamento já não satisfazia Oge e ele quis fugir. Bae resistia, não o abandonaria por qualquer pretexto de vida digna que Oge agora vislumbrava. Suas vidas estavam entrelaçadas há muito, e os ganhos de Bae eram enormes e sabia que de certa forma contribuíra no desenvolvimento de Oge e acreditava ainda poder colaborar, mesmo com seu jeito torto, para o avançar do rapaz.

Nosso menino já rejeitava Bae com um ódio descomunal, às vezes deturpando seu caráter para afastar os rótulos impostos pela companheira. Mas a rejeição em alguns momentos se enfraquecia e Bae sabia esperar para dar o bote de forma sorrateira e novamente ganhava Oge.

Refém de uma condição submissa, Oge hoje tenta criar a base sólida para escapar de vez da relação desventurada com Bae. Mas sua experiência o calejou para tomar cuidado em não cair no reverso de se tornar ainda mais solitário, acabando com qualquer tipo de ligação com outras pessoas. Oge inclusive desconfia que essa possibilidade seja o grande plano de Bae.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Dez anos completos e incessantes

No dia 18 de agosto de 2001 estava extremamente apreensivo, nervoso e empolgado. Queria tudo ali perfeito, a melhor comida, cerveja à vontade e bem gelada, a decoração impecável, as músicas legais e todos se sentindo confortáveis e bem acolhidos. Mas por mais que controlasse esses pormenores, pensando nos mínimos detalhes, não teria certeza do sucesso em cada um dos quesitos. Tanto que a mesa do bolo foi improvisada no momento da chegada dos convidados e do noivo.

Naquele dia percebi que não sabia o que era uma vida de casado, as coisas que deixaria para trás e as que ganharia, cumplicidade a ser construída, desavenças a serem resolvidas, não era claro o que faria da vida, como moraria, o que compraria, o momento de ceder e o de bater o pé, a angústia de ter que mudar os planos e a felicidade pela mudança dos planos. Só imaginava as possíveis conversas, esquecia a falta de assunto, vislumbrava nós dois debaixo da mesma coberta e nem cogitava cada um com seu lençol. Era um poço de imaginação, mas nenhuma certeza na vida depois dali. Aliás, certeza apenas uma, que continua e segue inexorável, a noiva era a mulher com a qual viveria para sempre, aquela que sempre busquei e esperei, a pessoa que na companhia conseguia ser eu mesmo, apesar de tentar mudar para ela.

Foram com nossos dez anos de casados que compreendi que as incertezas fazem parte do início da jornada. Contudo, a confiança de sabermos que estamos com a pessoa certa é fundamental, pois ela nos possibilitará a superação dos percalços que aparecem no decorrer dos anos. E a forma como superamos os momentos difíceis faz aumentar ainda mais a certeza de que trilhamos o caminho correto, porque assim solidificamos nosso sentimento para além da simples idealização e alcançamos a concretude do amor verdadeiro, perene, incandescente, confidente, base da solidez do nosso amor.

Foi por essa certeza que tudo mudou. Foi por esse sentimento que arrisquei os passos não planejados, porém esperados. Foi por ela que a vida ganhou direção, sem necessariamente ter precisão, e por ela pude vislumbrar sonhos concretos e abrir uma infinitude de possibilidades no horizonte da minha existência. Por causa dela, da certeza da mulher certa, que abandonei tudo e todos para ganhar a felicidade de vivermos juntos realizando uma história que, embora com seus desencontros, se mostra cada dia mais voluptuosa e gostosa de viver e construir.

Eu te amo não só pelos anos já vividos, mas também pelos que viveremos.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Sentido

Tortura-me quando foges do meu olhar

Fere-me quando desvias teu corpo do meu toque

Entristece-me quando não respondes às minhas declarações de amor

Então...

Por que te procuro?

Por que te acaricio?

Por que te amo?

 

Porque te amo.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Sem tabula rasa

Será que podemos realmente começar nossa vida a partir do zero? O renascimento pode ser concretizado deixando o passado para trás? Todos já atravessamos problemas e dificuldades que nos impõem o pensamento de fazermos tudo diferente. Depois deles, iremos mudar, seremos outra pessoa. Mas aquilo pelo qual passamos fica no esquecimento, não levamos nessa nova vida? Ora, o que nos moveu para essa guinada continua conosco, faz parte do nosso ser para sempre. Podemos até lutar cotidianamente contra ele, mas o carregaremos, afinal foi o que nos direcionou para esse caminho.

Dito isso, o fato de ter mentido, sacaneado, humilhado, sido covarde, ladrão e quase causar uma morte estará comigo mesmo com toda a vontade de esquecer, de buscar não repetir os erros, de querer mudar e melhorar como ser humano. Meu passado será um peso amarrado a mim, e algumas vezes me curvará, em outras o sustentarei tranquilamente.
Minhas falhas me moldaram, restringiram meus voos, mas agora, consciente disto, poderei me libertar continuando amarrado ao que fiz.
 
Abraços

quinta-feira, 10 de março de 2011

O dia do teu nascimento

Você nasceu no dia 3 de março de 2011, numa quinta-feira nublada e belíssima. O primeiro sinal veio de madrugada, dez minutos antes das 5 da manhã, mas só viestes ao mundo às 18 horas e 40 minutos da noite. Nesse tempo todo, fomos à clínica para o primeiro atendimento com o obstetra Dr. Luis Carlos, depois almoçamos no Goiânia Shopping, mesmo com a bolsa estourada, onde eu tomei um chope para diminuir um pouco minha ansiedade.

 

Tua mãe estava radiante, super feliz, louca para te pegar no colo. No começo as dores sentidas por ela estavam até tranquilas, porém houve um momento em que tivemos certas dificuldades, mas logo a situação foi controlada e você já estava chorando no peito dela e eu imensamente alegre te olhando, te admirando.

 

Você chegou com 3 quilos e 230 gramas, medindo 48 cm (mas acho que a técnica que fez a medição errou, parecia mais). Era muito saudável, cabeludo, roxinho e lindo. Tudo parecia extremamente normal, como algo já vivenciado, mas nem por isso deixou de ser mágico, pois era um sonho muito esperado se tornando real de forma completa e perfeita. E eu estava ali, uma das seis pessoas que primeiro ouviram seu choro, viram seus olhos, presenciaram o necessário trauma do nascimento. Fui eu quem cortou seu cordão umbilical, meio sem jeito, com medo de estar doendo...Uma experiência formidável!

 

Quando te peguei no colo minhas inseguranças, medos, angústias se dissiparam. Sabia que faria o melhor, que seríamos amigos, que daria conta da responsabilidade, que estaria disposto a tudo para te ajudar em sua caminhada. Hoje luto para achar graça nas tarefas nas quais você não participa, elas parecem banais demais, sem sentido. Queria tua presença em cada momento, ver teus olhos me procurando, acompanhado minha voz, sentir teu cheiro, até ouvir teu choro manhoso e desesperante me acalentaria. É preciso seguir, voltar à rotina, mas nada será o mesmo: tenho você e tua mãe, agora minha vida ganhou um novo sentido, agora sou ainda mais feliz e naquele dia descobri o quanto te amo Joaquim, meu filho.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

A tampinha e um buraco no céu

Hoje consegui tirar a tampinha do iogurte sem que ela se partisse, fiz uma expressão de extrema felicidade ao ponto de minha colega de trabalho achar que estava exagerando. Já havia obtido tal feito em outras vezes, porém há um bom tempo a tampinha teimava em sair aos pedaços, por isso exacerbei meu contentamento como se tivesse ganhado algo muito valioso.

 

Isso me fez pensar na importância de valorizarmos esses pequenos acontecimentos que nos dão alegria e nos fazem sorrir contentes e exagerados. Não é só de grandiosidades que uma vida feliz é feita. Aliás, conseguir perceber os contentamentos que as miudezas nos proporcionam é um passo importante para uma existência cheia de felicidades, porque são elas que preenchem nosso caminho aqui.

 

Então se, num dia nublado e cinza, se abrir uma fresta de azul do céu, sorria e contemple a fortuna de presenciar algo belo em seu caminhar. Parece meio autoajuda, mas depois de muitas tampinhas rasgadas, percebi o quanto é gostoso lamber uma inteira.

 

Abraços.